O peso de um dia perdido...O vento entra e faz dançar os engomados cortinados cor de marfim, ao mesmo tempo que me toca a pele e me afaga a face e os braços... Transportando o cheiro do verão, quente, doce e seco...
Simultaneamente os meus dedos pressionam as teclas fazendo ecoar um único som seco das peças plásticas que compõem o teclado. O mesmo de sempre... de todos estes anos.
Então... respiro fundo.... despertando-me o ar fresco do início de um novo dia, contudo quente, levando-me a outros dias quentes, de outros quentes anos.
A brisa da noite sempre despertou o meu lado místico, nostálgico especialmente quando banhada de raios de luar brancos e doces que nem açúcar em pó lembrando partículas de gelo.
Paro e viajo por outros dias em que me senti da mesma forma acarinhada, abraçada por esta deslocação de ar suave e tomo consciência que por cada dia que passa, maior é a importância de cada dia.
Além de ganhar altura, pêlos, celulite, e outras acumulações adiposas em partes específicas do corpo, faz parte do "ser adulto" deixar de ter tempo, de poder ter o luxo de desperdiçar um dia que seja, a fazer simplesmente nada de especial.
Prazos, burrocracias (*), responsabilidades, compromissos, tanto a cumprir e tão pouco tempo!
Saudades das quase eternas férias de verão em que me dava ao prazer de estar um dia inteiro em casa a ser somente inútil, preguiçosa, gulosa...
Hoje em dia, nunca o faço premeditadamente, e irrita-me quando por força das circunstâncias tenho uma vivência assim. Vejo-me imediatamente a fazer contas e mais contas para tentar colmatar tamanho e fatal deslize...
Respiro fundo e sinto mais uma lufada de ar fresco a empurrar os cortinados.... agora mais forte...
Engraçado é que tudo isto se trata de relatividade... À medida que o tempo passa, vamos achando que o que lhe antecedeu é que era ideal, e assim sucessivamente.
O meu olhar petrifica e não posso deixar de ter subitamente o pensamento que à medida que crescemos vamos vivendo menos a vida... Eternos insatisfeitos, sôfregos por algo que não sabemos o que é, só sabemos que queremos subir mais um degrau, e mais outro e mais um monte, uma montanha, e uma escada seguida de uma rampa, sem nunca sabermos com certeza se vai dar a algum lado que nos interesse verdadeiramente.
Não seria melhor permanecer no mesmo sítio e deixar que o destino nos encontrasse..? Não estaremos às vezes a fugir dele?
Nunca saberei a resposta. E como não confio na sorte para ditar o meu destino, continuarei a trepar que nem a cabra da montanha, os rochedos escarpados e perigosos da vida.
(*) - não se trata de erro ortográfico
PS: post publicado simultaneamente no blog Baronesa Vermelha - La Femme Fatale