sábado, setembro 21, 2013

A FÍSICA DO SER

Se vejo sombra é porque diante, à frente ou atrás, do objecto há luz. E se o objecto for eu e não vislumbrar a luz que reflicto mas que, em parte, me trespassa? E se, visto de cima, eu for sempre metade luz e metade sombra, mas os meus olhos virem diferentes ângulos, entre 0 e 180º de sombra ou luz, complementares, consoante me vou virando na tábua bidimensional dos 360º, mais ou menos encarando a fonte luminosa? E se eu tiver a força de me lembrar que também sou tridimensional e que visto de cima sou metade luz, metade sombra? E que, consoante me viro, posso ver mais ou menos luz que não só reflicto, mas também integro, e assim, mesmo no ângulo bidimensional completo dos 180º da sombra continuar a receber e reflectir luz, ainda que não a veja atrás? Logo, sou feito da mesma luz que recebo e me projecta, mesmo quando tenho os olhos apenas virados para o escuro.

O mesmo princípio no objecto em que viajo: ao girar, vai variando meridionalmente nos lugares de luz e sombra, porque apenas um sol o ilumina, mas mantendo sempre as suas metades complementarmente coexistentes. Sem me movimentar, terei a Terra a fazer por mim, com mais evidência nos pólos, o tic-tac do jogo luz-sombra, em movimento constante.
Mas... E se subir e subir para um sítio onde existe mais do que um sol à minha volta, fazendo com que a luz incidente de um em mim projecte a sua sombra na luz de outro, transmutando-a novamente em luz sem que chegue sequer a ser sombra?
E se o objecto que eu sou for um prisma que refracta a luz branca nas cores do arco-íris? E que, consoante o ângulo da luz que me incide, sou mais ou menos azul, verde, amarelo, laranja, vermelho, violeta ou índigo?

E se eu tiver outros objectos que, através da sua face luminosa, projectem em mim a luz e as cores que recebem, são, refractem e reflectem? Cada um evidenciará em mim uma parte do seu espectro, diferentes cores refractadas em consequência do ângulo da luz que os atinge, conforme estão posicionados. Serão essas as cores que verão ao vislumbrar-me, ou possivelmente a mistura decorrente da intersecção de espectros refractados por outros prismas circundantes.
E se eu poder escolher esses objectos e os que me rodeiam? E se todos decidirmos projectar as nossas luzes e cores uns nos outros, e não as nossas sombras, em diferentes ângulos complementares? Como se à volta da Terra houvesse mais do que um sol e o dia fosse uma constante em todos os lugares. Penso que todas as sombras seriam transmutadas em luz. Mas daríamos o mesmo valor à luz? Ou damos mais valor à luz ou à sombra, porque de uma delas temos que abdicar? Afinal, as escolha que fazemos, que só existem por causa das coexistências, são glorificadas por acontecerem em prol de bens maiores. E são maiores porque outros bens existem, mas para nós, menores, embora igualmente grandiosos para afirmar e enaltecer o que somos, já que sem eles não teríamos escolhas. O que seríamos sem elas? Alguma coisa? Esta é a fonte do amor incondicional: percebermos que só somos luz porque há sombra ou que somos sombra porque há luz.

Obrigado a todos que, embora aqui em baixo, incidem diferentes ângulos da sua luz em mim, lembrando-me cada cor que sou e que a minha sombra pode ser temporária e metamorfoseada em luz. Mas, acima de tudo, por me lembrarem que é possível trazer aquele sítio de lá de cima, onde há apenas luz à minha volta, cá abaixo, permitindo-me viver na luminosidade e assim evitar a fotofobia de quando se vive constantemente às apalpadelas no escuro. Obrigado aos que continuam a projectar-me a sua luz na sombra das minhas costas e na sombra de outros em mim. Obrigado também aos que projectam mais da sua sombra do que da sua luz em mim, pois fazem-me lembrar que prefiro a claridade à escuridão.
Sem vocês, não veria as cores e luz que sou cá em baixo. Sem vocês, não me aperceberia que, até aqui, posso ser apenas luz, bastando escolher quem projecta a sua luz em mim em diferentes ângulos. São vocês o farol que, sem me decidirem o caminho, ajudam-me a vislumbrar aquele que quero seguir, especialmente quando estou perdido no escuro. Sem vocês não poderia regressar a casa sem viajar na vertical. Afinal, a minha terra do nunca pode ser aqui e agora.
 
 

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