quarta-feira, agosto 30, 2006

O MÓVEL GIRASSOL DO NOSSO OLHAR


O espaço do olhar é tão claro e aberto
que nós estamos no mundo antes de o pensarmos
e nada nele indica que exista um outro lado
de sombras incertas e silêncios abismais.
Vivemos no seio da luz onde o inteiro vibra
com a sua evidência de claro planeta
e ainda que divididos vivemos no espaço uno
porque é o único em que podemos respirar.
As nossas sombras não nos acolhem como folhas
envolvendo o fruto o nosso desespero vem de mais fundo
e nele não podemos manter-nos temos de ascender
ao móvel girassol do nosso olhar
ainda que seja só para ver a fulva monotonia do deserto.
A vocação da pupila é o imediato universal
quer caminhemos numa rua quer viajemos pelo mundo
quer ainda diante de uma página em branco.
A palavra pode anteceder a visão mas também ela é atraída
para o luminoso espaço em que desenha os seus contornos.
Como poderia a palavra fingir o que lhe foge
sem a superfície de um solo iluminado?

António Ramos Rosa

sábado, agosto 26, 2006


GREGOS OU TROIANOS? GREGANOS?

Não sei se vivemos na época ou se terá sido sempre assim, até porque a minha consciência 'real e física', base da minha experiência ainda que não absoluta, mas a menos relativa que posso ter, me restringe ao pós estrito ou lato 6 de Dezembro de 1981 D.C. (1- será que posso alegar hemi-consciências do óvulo ou do espermatozóide? 2- cronologia ocidental, cristã?), e não sei se por interesses gerais (leia-se virados para os próprios umbigos na maioria, onde a falta empatia e a intolerância imperam) ou por falta de coragem de assumir o que se quer, o que se é e o que se quer ser, i.e., vergonha perante o outro, cai-se vertiginosamente no bacoco de deitar conversa fora, em que tudo se diz sem nada significar, para que se possa ocupar o tempo e conquistar vãos territórios, não ficar mal visto ou pior nas entrelinhas: 'conheço e dou-me com muita gente!'. Bah! E com estas artificialidades, vamos renegando a nossa própria natureza e entretendo os neurónios e os sentidos, a par da afirmação nas extrínsecas e extemporâneas modas... O que o Homem faz para se entreter no e com o tempo!! :s E, assim, ao iludir-se numa esfera pseudo-cheia, vai cavando ao longo dos anos, um vazio por baixo dos pés, um vácuo em que se enterra, asfixia-se, sucumbe, queixando-se, todavia mantendo os mesmos discursos cheios de nada e as raras acções plenas e concordantes. Afinal, o bom é sair à noite e conversar no messenger (o teclanço ajuda na fuga à veracidade do 'live' e na ilusão de um potencial fantasiosamente vivido), e ser popular, ter a caderneta cheia de cromos, dizer que se fez e se pensa 100, quando se fez e se pensou 10 ou mesmo -100, a ilusão no querer falar falar falar, sem um único sequer pensar a que se junta um 1/3 de ouvir (para aí) = ser Gregano. Até que um dia... PUFF! A frase feita 'não se pode agradar a Gregos e a Troianos' faz sentido! Sim, porque as divergências são inerentes à convivência entre seres, desde os vegetais, nem que seja pela luta na tentativa de supremacia na ocupação de espaço, quanto mais seres capazes de pensar, sentir, inferir, raciocinar... Que mistura! Onde na falta de coragem para ser, se prefere o parecer, a quantidade à qualidade... O GREGANO do politicamente correcto, da moda, do aceite, do circunstancialismo social versus o GREGO ou TROIANO PESSOAIS, sim porque já que não podemos agradar a ambos, que agrademos pelo menos a nós próprios! E não esqueçamos a jurássica: 'a mentira tem perna curta! lol :) Além de que vivemos no mundo do relativo... i.e, existiria a luz sem a sombra e vice-versa?... Ser x só faz sentido perante o y. :)
PS - Não que não entenda ou aceite esta actual corrente, mas 'does its destiny and its nature worth it'? Muito mais se pode acrescentar em relação ao assunto, mas que se simplifique na fragmentação em futuros posts e comments. Misbehave! ;)

sábado, agosto 19, 2006

quinta-feira, agosto 10, 2006

PORTUGAL COSMOPOLITA

Portugal está a ficar um país verdadeiramente vanguardista. Desenganem-se gerações e gerações de intelectuais blasfemos. Encarcerem-se os velhos que, lá sentados no Restelo, mais não merecem que um lar de terceira idade. Não, nada disso!! Portugal é, hoje, verdadeiramente um país cosmopolita capaz de ombrear com outros naquilo que de melhor se faz por esse mundo fora. Quem disse que somos ultraperiféricos? Quem sugeriu sermos atrasados e irremediavelmente "rurais"? Certamente gente de pouca sapiência ou de vontade amaldiçoada. É que os exemplos de modernidade e cosmopolitismio estão aí, um pouco por todo o lado. E não, não são as tertúlias do Chiado nem a arquitectura vanguardista do Parque das Nações. Nem tão pouco o será a banalização de centros comerciais. É muito mais do que isso. É todo um cosmopolitismo feliz e finalmente libertado de atavismos estirpe Santa Comba São/ Capelinha das Aparições. Senão veja-se: ligar a televisão, nas emissões da TV Cabo - por sinal de mensalidade paga - corresponde a ser-se presenteado, num dos canais, com uma "interessante" emissão televisva de uma "igreja" repleta de "pastores" brasileiros que, através de uma argumentação curiosa, tentam convencer o seu rebanho dos "sinais" evidentes da bondade dos ditames da religião, claro está, devidamente por eles interpretados. É que «sí ná súa fámília êxistchi máldádgi, póbrêza, duênça...vóçê naum cónhêci os sináiz di Dêus». Logo de seguida, este cenário infernal descrito em tonalidade tropical, é contraposto a um testemunho "real" de uma portuguesa - tipicamente porteira, provavelmente suburbana, com 2 filhos e um marido que, invariavelmente, não a ama e sofre de alcoolismo - que vem atestar a bondade das soluções propugnadas por aqueles pastores portadores de boas novas lá da terra de Vera Cruz. é que - segundo a respeitável senhora- depois de ter conhecido os "sinais" daquela "igreja" brasileira, voltou a ser amada, a ter as contas pagas e agora - pasme-se quem de direito!!- já tem uma casa com seis assoalhadas e um carro de luxo. A não esquecer: os "sinais" estarão no Estádio do restelo, dia 19 de Agosto, pelas 18 horas. Enfim...
De facto, o cosmopolitismo da sociedade portuguesa é especialmente forte no campo do para-normal. Ontem, incumbido de um espírito verde, fui deitar ao apapelão de reciclagem mais de 50 panfletos. É que o professor Bambo (ou será Bambi?), mais o professor Karamba e o professor Kumbaé (que me perdoem os restantes professores "Ka" qualquer coisa eventualmente olvidados...) têm-se dedicado a, dia após dia, deixarem no limpa pára brisas do meu carro mensagens alusivas aos respectivos dotes de grande vidência que, também dia após dia, vou acumulando no porta luvas à espera de oportunidade de deitar fora. No último, um respeitável cavalheiro de origens claramente africanas, propõe uma ajuda “tipicamente africana” para destruir a inveja, os vícios, a impotência sexual e os problemas financeiros. Com consultório em Lisboa, Faro, Porto e Funchal, com um call center (707204488), o professor bambo garante, também, total eficácia por correspondência assegurando a competente e devida resposta em 48 horas. Então ‘tá bem… Mas as tendências cosmopolitas na sociedade portuguesa não se ficam por aqui – aliás, as incompreendidas “Mães de Bragança” que o digam!! Repare-se, para tanto, na página 54 da edição de hoje do Diário de Notícias: desde logo, com destaque em esquadria azul, temos a “atrevida”, safada e “gostosona” (mais um contributo além Atlântico…) que se diz irresistível (presunção e água benta…) e portadora de acessórios eróticos (tel 914558005). Mais abaixo, temos Beatriz, “pitinha”, corpinho sexy e garganta “funda”. Aliás, diz-nos ainda que “por trás” fica louca….pois…mais informações sobre a sua loucura traseira poderão ser obtidas através do 967558539. Duas linhas depois, a “bela Michelle” clama ter um “pinguelinho avantajado” sendo que, com ela, o anal é natural… Afinal de contas, acaso restará ao caríssimo leitor alguma dúvida do teor moderno e cosmopolita da sociedade portuguesa?
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domingo, agosto 06, 2006

VIAGEM

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

Miguel Torga

PS - E o porquê da associação entre a Madre Teresa e o poema?